quinta-feira, 28 de março de 2013

Triste partida

              Um certo dia ele chegou e veio meio que inesperadamente, simplesmente apareceu ali na sua vida. No inicio era um pouco relutante, mas os afetos dela o conquistaram e o fizeram achar ali naquele colo o seu canto, seu refúgio e aconchego.
              Chegou frágil como um cãozinho abandonado, maltratado, temeroso, evitando cuidados, porque até então só recebera maus tratos e o carinho ainda não conhecia. Há muito vagava por ai sem rumo sem compreender o que era, quem era, que importância tinha nesse mundo. Recebeu dela todo amor e com ele se nutriu, aprendeu a caminhar.
              Não foi gerado em seu ventre, mas ela o amava como tal. desmedidamente doava-se a ele independente dos conceitos levantados sobre eles. Contemplá-lo dormir, alimentá-lo, embalá-lo até que ele adormecesse era o que faziam seus dias terem mais sentido e cor.
              Ser mãe tem dessas coisas que ninguém consegue explicar mas que todos são capazes de compreender porque já foram ou são amados por elas.
              Embora os outros não fossem capazes de acreditar, o laço entre eles era constituído por esse amor materno e filial e nada mais.
              Na
última noite juntos ele repousou cansado em seus colo, fadigado por sua rotina, por mais um dia de muito suor derramado. Ela mesmo cansada saiu de sua zona de conforto e sentou-se para que ele ficasse mais confortável em seu colo. Com sua mão macia e firma acariciou seus cabelos enquanto ele a olhava contemplativamente, seus olhos se inundaram e uma lágrima escorreu, ela sem compreender o motivo daquela lágrima sentiu em seu íntimo que deveria calar e apenas o afagar, era tudo que lhe cabia fazer.
             Vendo dentro do seus olhos ela exclamou: Eu te amo! Ficarei sempre contigo, não importa o que aconteça estaremos juntos. Ele por si mesmo não quis mais resistir e deixou que seu choro jorrasse, deixou que seu coração se abrisse ao que sentia e pela primeira vez se expressou, se permitiu sentir, se permitiu amar.
            A magia perdurou até o primeiro raio de sol descortinar a janela, era hora de levantar pro trabalho, ela o deixou ainda adormecido e levantou, aprontou seu cafe do jeito que ele gostava, deixou sua roupa limpa e passada sobre a cama, abriu a porta e saiu... Depois disso nunca mais voltou.


http://www.armariodaca.com
           

sexta-feira, 22 de março de 2013

Fuxico em Cordel


FUXICO EM CORDEL

YANE CORDEIRO
(CIA Criando Arte de Varjota – CE)


Nesse palco minha gente
Vim agora lhe contar
A história duns cumpades
Lá das banda do Ceará
O Miguelim e a Raimunda
Que só vivem a fofocar.

Vem entrando o Miguelim
Todo tropo e desengonçado
Conferindo o seu cheiro
Se perfumando que é danado
Pense num caboco faceiro
E mesmo assim malamanhado.

Miguelim:
Agora bonito
Me livrei da pudridão
tava era impregnada
Aquela catinga do cão
Tava fedendo a macaco
Matado e estendido no chão

O Cão é um bicho danado
Se não vem manda a ajuda
Foi só falar pra aparecer
A demônia carrancuda
Aquela língua de faca
A tal da Dona Raimunda.

-x-x-x-
Dona Raimunda aparece
Com sua roupa bonita
Sempre muito elegante
Com seu vestido de chita
E sua língua comprida
Que na vida dos outros palpita.

Raimunda:
Boa noite Miguelim
Que bom lhe encontrar
Mas eita que cheiro danado
Parece que vai namorar...
Quem é a mulher de hoje
Que está a lhe esperar?


Miguelim:
Escute aqui D. Raimunda
Não é o que pensando não
Um homem não pode mais
Nem caprichar na arrumação
Que a Senhora vem logo
Cheia das insinuação

Raimunda:
Aparecida é que tem sorte
De ter um marido tão caprichoso
Miguelim:
Raimunda vou lhe dizer
Sou um homem muito vaidoso
Gosto muito de me cuidar
E andar todo pomposo.

Raimunda:
E já que falei nela
Como anda a Aparecida
Andei ouvindo por ai
Que ela tava adoecida
Mas não lhe fiz uma visita
Pra ela num ficar aborrecida

Miguelim:
Ela bem melhor
Não tem porque se preocupar
Quando se sentiu mal
Foi logo se consultar
Foi pro posto bem cedo
E só de tarde foi chegar.

Ela conseguiu uma consulta
Com aquele novo dotô
Ele cuido foi muito bem dela
Que num instante milhorô
Parece que foi a espinhela
Que como serviço arriô.

Raimunda:
É aquele lá do posto
De que você falando?
Miguelim:
Aquele mesmo
O tal do Coriolano.
Raimunda:
Eu não gosto dele não
Tem cara é de malando...

Miguelim:
Deixe de ser maldosa
Que o rapaz é estudado
Entende de tudo um pouco
E é bem aparentado.
Cuidou foi bem da Aparecida
Que não mas torta dum lado.

Raimunda:
Pois se eu fosse o Senhor
Prestava mais atenção
Que muito mal contada
Essa tal situação
dotô curar espinhela caída
onde já se viu essa arrumação?

Miguelim:
O que é que a Senhora
querendo insinuar
Que a minha Aparecida
Não foi lá se consultar?
O que ela foi então
Fazer ontem por lá?

Raimunda:
Eu não dizendo nada
Que só falo o que sei
Mas quando ouvi a história
Eu logo desconfiei
É melhor ir lá pra investigar
Depois não diga que não avisei.

Miguelim:
Vou perguntar pra ela
Tudo bem explicadinho
Depois conto pra senhora
O que houve bem direitinho
Pra depois a senhora não sair
 Contando tudo do seu jeitinho.

-x-x-x-
A prosa deles se esticou
Falando de Deus e o mundo
Do Coronel e de sua filha
O Severino chamou de imundo
E no final da história ainda
falaram do finado Raimundo.

Miguelim:
Não há nada na cidade
Que lhe passe despercebido
Tudo que acontece
Cai logo no seu ouvido
E a menor fofoca que seja
Vira logo tititi e zumbindo.

Eu vou logo é embora
Procurar o que fazer
Pra nas suas confusão
A senhora não me meter
Fico com suas prosas,
Passar bem e inté mais vê...

Raimunda:
Mas tem gente nesse mundo
Que é muito desocupado
Me empaiando aqui na rua
E o serviço atrasado
Não pode me vê na rua
Vem contar fofoca do meu lado

Raimunda:
Vou logo é me embora
Nas minhas coisas cuidar
que não sou igual ele
Não gosto de fofocar
Não falo mal de ninguém
Só faço mesmo é escutar.

-x- x-x-
Enquanto Raimunda
Ficava a fofocar
Seu Chico chegou do roçado
Com uma fome de lascar
E procurando Raimunda
Danou-se a Gritar
Marido de Raimunda: 
Raimunda cadê você
morto de fome
Bem na hora do comer
E que você some.
Raimunda correu gritando
Raimunda:
 Já indo homem.






domingo, 17 de março de 2013

Rotina

Perco meu olhar no vão das coisas invisíveis buscando um vestígio teu pra lembrar. A rotina, o vai e vem dos carros embalados pelo ritmo da pressa, a correria dos compromissos que gritam o nome daquele que passa por mim, se contrastam com a natureza branda, singela e calma que montam o cenário da noite a dentro, completa, comum, marcada pelo compasso cansado do canto dos grilos, o coachar dos sapos e o ronco dos motores. 
Assim eu passo, como todos eles, lutando pra sobreviver a mais um fim de dia sem desconto, sem descanso, sem saída. A saudade aperta e então te busco, te grito em silêncio, te miro com o olhar perdido naquilo que eu não vi, e enfim te encontro escondido dentro de mim na vertigem de uma lembrança, no voar de um pensamento breve. Te contemplo. Me completo. Somos um. 
As horas correm, o tempo passa, a noite se finda e com ela todos os seus afazeres. Corro, salto, quase voo em busca daquele que me aguarda. Só nos resta poucos minutos, uma hora talvez e nela temos que afogar toda a saudade contida, toda a espera cansada, todo o stress do dia. Seu peito é meu trono, meu colo é teu porto, meu quarto nosso mundo. 
Te aguado, te vejo, te abraço e enfim um beijo. Mal podemos falar. Falta o fôlego, falta a calma, falta a coragem para se largar, nem que seja por um instante. A ausência que sentimos faz com que cada segundo junto necessite ser aproveitado em sua plenitude.
O tempo passou voando e quando se deram conta o relógio já anunciava a hora de partir, e partidos pela despedida separaram-se ainda relutantes na esperança de encontrar-se no dia seguinte 

oglobo.globo.com
Yane Cordeiro
17 de março de 2013.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Presente pra você


Mal passou o carnaval e ela já se pôs a pensar no marco importante que estava por vir. Seu amado faria aniversário e sem dúvida merecia um presente especial. Deitada já tarde ela passou a pensar no que poderia lhe servir de presente. Lembrou-se de tudo o que já havia lhe dado, afinal de contas já estavam juntos há tanto tempo e não era fácil criar presentes diferentes em cada data comemorativa.
Poderia dar-lhe uma camisa do seu time preferido, mas pensando melhor viu que não seria tão especial assim, afinal ele já tinha várias. Pensou ainda em sapatos, relógio, short, mas nada lhe parecia verdadeiramente justo nessa data. Então pensou em uma blusa, mas ai lembrou-se de todas que já havia comprado e decidiu que com certeza não aumentaria a coleção, principalmente se fosse branca.
Pensou... Pensou... Cansou e dormiu. Logo cedo acordou apressada, realizou sua rotina de todas as manhãs com banho, roupa limpa, maquiagem, perfume, café quente e partiu para o trabalho, mas atrasada que nunca, sem conseguir pensar em nada além de uma boa desculpa para contar ao seu chefe.
Ao chegar ao trabalho ofegante e desconfiada pelo atraso, viu que tudo estava tranquilo, seu chefe também se atrasara e a desculpa não seria necessária. Em um momento qualquer de distração voltou a planejar a surpresa de seu Amor.
Ao refletir sobre o que ele poderia gostar, se deu conta do quanto ele admirava a leitura, seria fantástico se ela pudesse escrever para ele, e mesmo achando que era muito retrô, decidiu que escreveria uma carta e nela colocaria todo seu sentimento. Jurou para se mesma que seria a melhor de todas as cartas que escrevera em toda sua vida.
O expediente já estava se findando e no caminho de casa, o texto espontaneamente começou a jorrar em sua mente e em cada passo dado o texto tomava forma e sentido. Sua ideia era aparentemente brilhante. 
Começaria descrevendo seu sentimento, a importância que ele tinha em sua vida, comentaria o que nele mais a agrada, no caso sua boca,  era fascinada por ela, e seus olhos que transpareciam segurança e afago que ela tanto precisava nos momentos mais difíceis e só com ele podia encontrar. Diria ainda que a cada dia seu sentimento aumentava a tal ponto de ela pensar que não era mais capaz de guardá-lo dentro de si. A sua distancia era tão cruel que instalava em seu ser um vazio insuportável que só era amenizado pela certeza do reencontro em breve. Mesmo nos dias mais corridos, quando mal podia vê-lo , o simples fato de estarem juntos em uma troca simples de olhares já fazia sentir-se completa e amada. Adora ouvi-lo sussurrar em seu ouvido um suave e sincero “Eu te amo”. Podia ainda descrever todas as mudanças que sua vida sofreu depois de encontrá-lo. Concluiria pedindo a Deus que seus dias juntos fossem multiplicados, que seu futuro fosse cada vez mais vitorioso, repleto de sucesso e realizações. Um enorme EU TE AMO enfeitaria o final da folha acompanhado por um beijo feito de batom vermelho.
Enquanto ainda pensava, aproximando de sua casa, encontrou uma amiga que há muito não via e no impulso do reencontro entretiveram-se por horas conversando e quando finalmente estava com a mente livre pegou rapidamente papel e caneta para escrever tudo o que pensou, mas... Esqueceu tudo. Não conseguiu lembrar-se de mais nada, nada mesmo. Ainda que se esforçasse nada perecia ser bom o suficiente.
Mesmo passando vários dias nessa mesma tarefa, nada aconteceu e na manhã do dia 15 foi ao Centro da cidade e comprou uma belíssima blusa branca e o presenteou.

Feliz Aniversário.
Eu te amo.

Yane Cordeiro
15 de março de 2013.

terça-feira, 12 de março de 2013

Quem sabe?


feelingswords.wordpress.com
Hoje as setas indicam caminhos opostos
Um para cada um
Diante da divisão dos espaços pararam e permaneceram
Imóveis, calados
Ir não ir
Por que fica? Por que partir?
Ambos procuram raízes que os prendam
Motivos que cortem as asas que ganharam
O que ficou? O que levam? O que se perde?
Pra responder é preciso tempo
Pra discernir é preciso calma
Pra seguir, coragem
Pra ficar, fingir...
O tempo passa e a escolha se aproxima
Ficar? Seguir? Voltar?
Juntos? Não?
QUEM SABE?!


domingo, 3 de março de 2013

Brincado de Cordel





mateusbrandodesouza.blogspot.com
No tempo da minha infância
que no Sertão inda morava
meu avô, velho Selestino
Muita história me contava
eu muito sapeca e sabida
com muita atenção escutava

Um dia um causo eu ouvi
que me causou aflição
era uma história comprida
falando de assombração
De um caboco esquisito
que era parente do cão

Sentei perto do vovô
e ele veio perguntar
se eu queria ali
uma história escutar
eu disse logo que sim
e ele põe-se a contar

(...)

Nas ruas sempre desertas
nas noites enluaradas
pelas cidades pequenas
com fama de malassombradas
vagava o Currupião
com jeito de alma penada

Currupião era um homem
tropo, feio e desengonçado
com um andar esquisito
sempre muito apressado
quando passava de noite
os menino corria assustado

As senhoras nas calçadas
guardavam suas cadeiras
trancavam as portas e janelas
acabava-se a brincadeira
quando Currupião passava
só ficava mesmo a poeira

Ouvia dizer por ai
que ele era assombração
que veio direto do inferno
e era primo do cão
e quem falasse com ele
ficava com uma maldição

Perdia tudo que tinha
a fala o tato e a visão
ficava pra sempre prostado
não se levantava mais não
a família já podia chorar
e arrumar o caixão

(...)

Ele andava em silêncio
quase não pisava no chão
mas quando chegava perto
do dono da condenação
dava um pulo e gritava
te amaldiçoou cristão!

vovô contou essa parte
me dando susto danado
gritando no meu pédouvido
eu dei um pulo de lado
ele ficou só rindo
todo prosa e engraçado.

(...)