terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Como já dizia Caetano, de perto ninguém é normal...


Dani era uma menina que estudava na minha sala quando eu fazia a oitava série. Ela era meio esquisita, diante daquilo que eu via como normal. Dani costumava prender o cabelo num rabo de cavalo nada charmoso, usava uma calça jeans desbotada e meio frouxa de forma que dava para perceber que não fora comprada pra ela, talvez tenha ganhado de uma prima que não a usava mais. Ela usava óculos redondos e pequenos, se não me engano cor de rosa. Tinha uma mochila azul, tipo jeans, enorme, parecia uma sacola... Seus dentes eram meio tortos, mas ela não usava aparelho ortodôntico, nunca se maquiava, nunca soltava o cabelo, nunca trocava a farda... Dani nunca chamava atenção dos meninos. Ela era tímida, porém muito inteligente. Dizem que quem fala pouco pensa muito, pois é, acho que é verdade. Dani quase não abria a boca, mas quando o fazia valia a pena ouvir. Ela nunca se interessava nas nossas conversas... Não falava de novelas, nem das músicas da moda, nem das roupas, maquiagens, sapatos... Nada do que seria "normal" para as meninas da nossa idade. Ou seja Dani não era normal.
Quando começamos o primeiro ano do ensino médio Dani sumiu e desde então nunca mais a vi  até hoje lá no centro quando estava na fila percebi a presença de uma menina que me chamou atenção. Usava aparelho, tinha um cabelo lindo, enorme, uma bolsa super chique, sandálias altas e estava muito bem vestida. Apesar de pensar que nunca tinha visto aquela menina antes, seu rosto me parecia muito familiar... Uma outra colega minha me falou então que era a Dani, a mesma, quer dizer, não mais a mesma, estava completamente transformada. Parecia outra pessoa. E de fato era. Não era mais a Dani, mas a Dr.Daniela Vieira, odontóloga, concursada pelo governo, casada com o Dr. João Felix um advogado muito renomado.
Diante dessa história,  passei a lembrar das pessoas da minha escola e vi quantas Danis da oitava série existiam lá. Quantas pessoas vistas como esquisitas, feias, diferentes, estranhas, loucas... Ou seja, anormais. Mas que hoje são pessoas muito bem sucedidas, e muito felizes. Mas ai eu parei pra pensar... O que é normal? Quem dita o que é normal? Quem tem esse direito? Porque eu preciso ser magra, loira,  alta, ter bunda grande ou seios grandes, andar maquiada, usar vestido por ser menina? Porque eu preciso dançar o que o rádio toca? E se eu gostar de música antiga, eu deixo de ser normal? Sim eu deixo! Então se eu for morena, gorda, se eu quiser ter o cabelo vermelho ou usar roupas frouxas? Então eu seria uma pessoa totalmente maluca.

Hoje me vi intrigada com uma questão: Ser ou não normal? De longe você pode me observar e dizer que sou uma pessoa completamente normal, que trabalha, estuda, namora, se diverte com os amigos... Mas como já dizia Caetano, de perto ninguém é normal.
Eu assim como você e como todo mundo, inclusive os famosos, isso porque as pessoas tem a mania de pensar que quem trabalha com a mídia vive em outro mundo, mas isso não é verdade. Todos nós temos muitas qualidades e defeitos, temos manias, costumes, características peculiares de cada um e sendo assim não podemos nos definir como um todo.
Atribuir uma identidade a uma pessoa levando em conta o lugar onde ela mora, o seu estilo, sua religião ou qualquer outro fator é um pecado contra a natureza humana desse indivíduo. Cada um é o que é e isso não faz de ninguém melhor ou pior que o outro. Mesmo que você se sinta inferior ou superior a alguém, acredito você não é. E se você tem ou tinha um sentimento de anormalidade dentro de sim, não se preocupe, conheça melhor o outro e veja que a terra é um planeta de loucos, só que uns se disfarçam e outros não.





Sejamos loucos porém felizes!

Como dizia Raul:
Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal
E fazer tudo igual...
Eu do meu lado aprendendo a ser louco, maluco total
Na loucura real...





domingo, 24 de fevereiro de 2013

O sonho


           Ela abriu os olhos lentamente como se não quisesse despertar. Encontrava-se em um lugar muito bom para querer voltar. Apesar de abertos seus olhos pareciam buscar a continuação de seu sonho, perdendo-se no vazio do teto empoeirado do quarto, agora tão espaçoso sem ele.
           O quarto já começava a abandonar a fria escuridão da noite com o penetrar brando do sol da manhã que também acabava de despertar. Ainda se podia ouvir o zumbido chato dos mosquitos noturnos que tiravam seu sono e a esperança de voltar a sonhar aquele mesmo sonho. 
          Infelizmente era apenas sonho... Ele estava ali ao seu lado, seus olhares se entrela-çavam outra vez, porém sem ressentimentos ou mágoas. Eram comuns novamente. O mosaico que montava aquela cena carecia de demora, de tempo no vislumbramento.
           Tudo é misterioso e os mistérios só se revelam na contemplação, no olhar detalhado e constante, na busca por detalhes. Só se conhece bem aquilo que fazemos questão de desvendar o seu mais profundo detalhe. Era exatamente o que ela desejava.
           Desejava contemplar eternamente aquela cena presente em seu sonho. Para quem sabe extrair dali as respostas que sua alma tanta ansiava... Os porquês não respondidos, as conversas inacabadas, os finais injustificados.
           Mas do que respostas, ela desejava tocá-lo, senti-lo mais uma vez, esquecer por um instante o que aconteceu e se render a saudade que teimosamente relutava em viver dentro do seu coração. Sabia que não era possível encontrá-lo em sua realidade, afinal seu orgulho não a deixava insistir mais uma vez. Aquele coração era porta que sua mão já cansara de bater sem resposta. 
           Não houve mais tempo pra sonhar, o alarme do despertador anunciou a hora de levantar e a porta da fantasia se fechou. Os sonhos assim como as oportunidades que passam em nossa vida se vão rapidamente e dificilmente voltam a nós.
           Aquele sonho se foi e ao acordar ela percebeu que sua vida andou depressa demais e que os tempos já eram outros. Levantou, vestiu-se, maquiou-se e se foi assim como o sonho.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Poesia na estrada

Inauguro meus posts homenageando
meu poeta preferido Mailson Furtado

Um olhar distante, na busca de algo pra narrar, faz parte desse rosto que agora me pus a observar. Sentado do outro lado ele se encontra recostado à janela com sua bagagem no colo. Parece estar tão distante num lugar que talvez ficou pra trás. Uma sombra de saudade parece lhe perseguir enquanto o caminho se alonga. Confere as horas no telefone celular não sei se ansioso pra chegar ou para voltar de onde veio.
Pensa... Repensa... Suspira... Transpira, por conta do calor infernal que se abriga dentro do carro enquanto esperamos mais um passageiro embarcar. Abre a janela, balança a gola da blusa na esperança de se refrescar.
O carro retoma o caminho em direção à cidade, talvez ele tenha compromissos por lá, um universitário talvez... Da janela ele contempla o Sertão e os maus tratos que a seca lhe fez nesse ano que passou sem chuva, seus olhos parecem desvendar a caatinga extraindo dela os seus mistérios indecifráveis.
Ele agora abre a bolsa à procura de algo que ainda não sei... Retira de lá uma agenda e em seguida uma caneta. Escolhe rapidamente uma folha e nela Põe-se a registrar. Talvez tenha recordado algum compromisso que ainda não registrara, ou quem sabe planejava alguma coisa... Não sei. Daqui onde estou não sou capaz de ver as miúdas e borradas letras recém-escritas.
Escreveu algumas linhas e em seguida recostou a tampa da caneta entre os dentes, porém sem pressioná-la, num gesto gracioso enquanto pensava mais um pouco no que escrever. Tornou a grafar e rabiscou uma palavra que talvez escreveu errada ou que o balanço do carro a fez sair de uma forma estranha o suficiente pra não ser compreendida.
Assim ele conclui o que queria dizer. Lê... Relê, e torna a ler para certificar-se do que registrou. Seu rosto estava recoberto por curtos pelos, e os cabelos cacheados que recaíam sobre a testa franzida serviam para serem enrolados enquanto seus olhos conferiam a folha usada como palco pros seus escritos.
Em seguida ele parou, fechou a agenda, guardou a caneta e me viu... E me sorriu... E eu disfarcei e fiquei tão sem jeito e vermelha que o disfarce não serviu. O caminho que tinha de ficar para trás ficou. E eu nem percebi. O carro parou e eu me surpreendi quando ele abriu sua agenda, destacou uma folha, e entro-a a mim. Nela estava escrito:

Passagem

As nuvens passam.
O ponteiro do relógio sempre passa.
As pessoas andam em passos.
E o ferro de passar trabalha passando.
O que lembro já passou.
E o que vejo está passando...
Passou!
Em sinais abertos carros passam,
e em outros...
...pessoas passam dessa p'ra melhor.
Tudo passa.
A vida passa.
Como passa algo em sua cabeça agora.


Fiquei assim tão surpresa e encantada com o que li que nem tive tempo para perguntar o seu nome. Quando dei por mim estava sozinha no carro, enquanto o motorista aguardava o meu desembarque.
Desci. Segui. Mas não esqueci o poeta que conheci ali na estrada. E olha que engraçado, eu escrevendo sobre ele e ele escreveu para mim. A vida tem dessas coisas, as viagens são assim, cheias de mistérios e encantamentos quem nem sempre percebemos.
O poeta partiu, porém sua poesia ficou. Ficou comigo e em mim, e agora aqui e com você.

Acesse e confira a poesia original:
http://www.mailsonfurtado.com/search?q=passagem