quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Poesia na estrada

Inauguro meus posts homenageando
meu poeta preferido Mailson Furtado

Um olhar distante, na busca de algo pra narrar, faz parte desse rosto que agora me pus a observar. Sentado do outro lado ele se encontra recostado à janela com sua bagagem no colo. Parece estar tão distante num lugar que talvez ficou pra trás. Uma sombra de saudade parece lhe perseguir enquanto o caminho se alonga. Confere as horas no telefone celular não sei se ansioso pra chegar ou para voltar de onde veio.
Pensa... Repensa... Suspira... Transpira, por conta do calor infernal que se abriga dentro do carro enquanto esperamos mais um passageiro embarcar. Abre a janela, balança a gola da blusa na esperança de se refrescar.
O carro retoma o caminho em direção à cidade, talvez ele tenha compromissos por lá, um universitário talvez... Da janela ele contempla o Sertão e os maus tratos que a seca lhe fez nesse ano que passou sem chuva, seus olhos parecem desvendar a caatinga extraindo dela os seus mistérios indecifráveis.
Ele agora abre a bolsa à procura de algo que ainda não sei... Retira de lá uma agenda e em seguida uma caneta. Escolhe rapidamente uma folha e nela Põe-se a registrar. Talvez tenha recordado algum compromisso que ainda não registrara, ou quem sabe planejava alguma coisa... Não sei. Daqui onde estou não sou capaz de ver as miúdas e borradas letras recém-escritas.
Escreveu algumas linhas e em seguida recostou a tampa da caneta entre os dentes, porém sem pressioná-la, num gesto gracioso enquanto pensava mais um pouco no que escrever. Tornou a grafar e rabiscou uma palavra que talvez escreveu errada ou que o balanço do carro a fez sair de uma forma estranha o suficiente pra não ser compreendida.
Assim ele conclui o que queria dizer. Lê... Relê, e torna a ler para certificar-se do que registrou. Seu rosto estava recoberto por curtos pelos, e os cabelos cacheados que recaíam sobre a testa franzida serviam para serem enrolados enquanto seus olhos conferiam a folha usada como palco pros seus escritos.
Em seguida ele parou, fechou a agenda, guardou a caneta e me viu... E me sorriu... E eu disfarcei e fiquei tão sem jeito e vermelha que o disfarce não serviu. O caminho que tinha de ficar para trás ficou. E eu nem percebi. O carro parou e eu me surpreendi quando ele abriu sua agenda, destacou uma folha, e entro-a a mim. Nela estava escrito:

Passagem

As nuvens passam.
O ponteiro do relógio sempre passa.
As pessoas andam em passos.
E o ferro de passar trabalha passando.
O que lembro já passou.
E o que vejo está passando...
Passou!
Em sinais abertos carros passam,
e em outros...
...pessoas passam dessa p'ra melhor.
Tudo passa.
A vida passa.
Como passa algo em sua cabeça agora.


Fiquei assim tão surpresa e encantada com o que li que nem tive tempo para perguntar o seu nome. Quando dei por mim estava sozinha no carro, enquanto o motorista aguardava o meu desembarque.
Desci. Segui. Mas não esqueci o poeta que conheci ali na estrada. E olha que engraçado, eu escrevendo sobre ele e ele escreveu para mim. A vida tem dessas coisas, as viagens são assim, cheias de mistérios e encantamentos quem nem sempre percebemos.
O poeta partiu, porém sua poesia ficou. Ficou comigo e em mim, e agora aqui e com você.

Acesse e confira a poesia original:
http://www.mailsonfurtado.com/search?q=passagem

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